Tal tarefa – hercúlea por sinal – suscita algumas reflexões a que não podemos simplesmente nos eximir, sob pena de não correspondermos, a contento, ao grande desafio que é educar em tempos neoliberais e pós-moderno. Tempos de grandes paradoxos, que nos impelem, de forma cada vez mais intensa, a tomarmos uma posição frente a tais incongruências de nossa época.
Um desses paradoxos nos motivou a escrever este pequeno texto: a inserção da tecnologia nas salas de aula como instrumento e conteúdo de ensino. Antes de tudo é importante elucidarmos por que entendemos tal fato como um paradoxo.
Segundo o dicionário eletrônico Houaiss o conceito de paradoxo se refere a: 1. Uma proposição ou opinião diferente da comum; 2. Aparente falta de nexo ou de lógica. É ilustrativo da segunda assertiva o paradoxo de J. Sayad citado por Bianchetti (1997, p. 01): “[...] o paradoxo do pai que chama o filho, muito dócil e obediente, e ordena: ‘seja desobediente’. Como responder? Se obedecer, desobedece”. Nesta linha se encontra o paradoxo da inserção das novas tecnologias nas escolas nos tempos atuais.
A revolução da informática e os rearranjos do processo de produção ocasionaram mudanças no mundo produtivo, principalmente para os trabalhadores, demandando destes uma formação de outro tipo. Tal demanda, no entanto, se orienta em um duplo aspecto: uma formação mais específica, para um pequeno número de trabalhadores, e a universalização de uma educação geral básica, para o restante.
Tal paradoxo, no entanto, longe de ser recente, remonta o próprio surgimento da escola enquanto espaço privilegiado de (re)produção de uma “educação diferenciada”. Segundo Saviani (1994, p. 02), a escola (que em grego significa “lugar do ócio”), surge na Grécia Antiga com o intuito de ministrar um tipo de saber diferenciado orientado para a classe dominante, proprietária de terras e escravos e, por isso mesmo, possuidora de recursos e tempo para se dedicar a este tipo de educação, que se sobrepunha a educação dos demais que se dava no próprio mundo da produção.
Tal dicotomia se manteve na Idade Média, com a Igreja monopolizando o saber, e na Idade Moderna, com a separação entre trabalho intelectual e manual – uma educação técnica para o trabalhador e outra mais universal para a elite dirigente. Embora alguns teóricos clássicos da economia tenham considerado a importância da educação para os trabalhadores, como defendia Adam Smith, tal instrução, segundo ele, deveria ser dada “em doses homeopáticas” (SAVIANI, 1994, p. 09).
O conhecimento na sociedade capitalista é força produtiva, logo deve ser apropriada exclusivamente pela burguesia, que detém os meios de produção. Ao trabalhador cabe somente a posse de sua força de trabalho, para que possa “vendê-la livremente” ao dono do capital. Alijado de todos os meios para sua subsistência, tal “liberdade” carrega em si um paradoxo – o trabalhador é livre para vender sua força de trabalho, mas também é livre dos meios que poderiam torná-lo efetivamente livre – os meios de produção e, dentre eles, o conhecimento.
Assim, se hoje se apela para uma maior formação dos trabalhadores, sob pena de solapar o desenvolvimento do país, inviabilizando a concorrência no mercado internacional, tal apelo se perfaz ideológico à medida que:
As novas formas de organização e gestão da produção, atreladas ao revolucionar da base técnico-científica, com a substituição de capital vivo por capital morto promovem o desemprego em massa de trabalhadores, favorecendo, ao mesmo tempo, a exploração da força de trabalho, onde o exército de reserva agora serve como regulador e:
A escola, que no seu fazer diário corresponde a esse panorama de exigências direcionadas a uma formação instrumental e tecnicista, contribui para “enfraquecer as perspectivas ético-políticas que afirmam a responsabilidade social e coletiva e a solidariedade e reforçar o ideário de uma ética individualista, privatista e consumista. O objetivo é produzir um cidadão mínimo, consumidor passivo que se sujeita a uma cidadania e a uma democracia mínimas, formais” (FRIGOTTO, 2005, p. 234).
Isto posto, as análises sobre a inserção de novas tecnologias na escola devem levar em conta todos estes fatores, não se resumindo ao que Bianchetti (1997, p. 07) classifica como posicionamentos antípodas, ou seja, há os apologetas – que “só vêem aspectos positivos nas novas tecnologias”, e os apocalípticos – que “só vêem aspectos demoníacos nas criações tecnológicas”.
Para além dessas posições dicotômicas e reducionistas, o que pretendemos é que os professores possam:
Na tentativa de desenrolar o “fio de Ariadne” – que na mitologia grega é a solução para a saída em segurança do labirinto do minotauro – e desobnubilar as relações intrínsecas entre educação e tecnologia na sociedade capitalista atual, trilhamos tal percurso. Cabe agora novos estudos neste sentido para tentarmos minimizar as lacunas deixadas por este artigo.
REFERÊNCIAS
- BIANCHETTI, Lucídio. Busca do fio de Ariadne: Dilemas do Professor Frente ao Avanço da Informática na Escola. Disponível em:
- FRIGOTTO, Gaudêncio. Estruturas e sujeitos e os fundamentos da relação trabalho e educação. IN LOMBARDI, J.C., SAVIANI, D., SANFELICE, J.L. (orgs.) Capitalismo, trabalho e educação: debates contemporâneos 3. ed. - Campinas, SP: Autores Associados: Histedbr, 2005, p. 61-74.
- KUENZER. A. Z. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: LOMBARDI, J.C., SAVIANI, D., SANFELICE, J.L. (Orgs.) Capitalismo, trabalho e educação: debates contemporâneos 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados: Histedbr, 2005, p. 77-95.
- SAVIANI, D. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETI, C. et al (org). Novas tecnologias, trabalho e educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
- __________. Transformações do capitalismo, do mundo do trabalho e da educação. In: LOMBARDI, SAVIANI, SANFELICE (Orgs.) Capitalismo, trabalho e educação: debates contemporâneos 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados: Histedbr, 2005, p. 13-24.